Maria Badet Souza é uma das participantes da campanha sobre independência da Catalunha nas redes sociais
Os preparativos para o processo participativo sobre a independência da Catalunha, neste domingo, continuam a todo vapor, apesar de o processo ter sido suspenso pelo Tribunal Constitucional na terça-feira. Na quinta-feira, o Tribunal Supremo manteve o recurso do governo espanhol contra a consulta.
O líder do governo catalão, Artur Mas, garante que a votação será realizada. A decisão de promover um processo participativo não-vinculante foi tomada após o decreto de uma consulta popular ter sido suspenso pela Justiça.
A votação conta com um fato curioso: a participação de imigrantes, incluindo brasileiros.
A comunidade imigrante representa 16% da população da Catalunha, o que equivale a cerca de 1,1 milhão de pessoas. Destes, quase 20 mil são brasileiros, segundo o Instituto de Estatística da Catalunha (Idescat).
A campanha "Nosaltres també decidim" (Nós também decidimos), da Assembleia Nacional Catalã (ANC), foi uma das ações criadas para estimular a participação dos estrangeiros que vivem em Barcelona e adjacências. Em 14 vídeos, imigrantes de várias origens, inclusive uma brasileira, explicam porque vão votar no domingo.
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O coordenador da seção de imigração da ANC, Saoka Kingolo, explica que a ideia da campanha é "reivindicar a normalidade da participação nas decisões políticas por parte de toda pessoa que vive e trabalha na Catalunha e contribui para a construção desta sociedade".
Kingolo acredita que "a participação dos imigrantes será reduzida, porque há uma campanha dissuasória muito forte" e que alguns "têm muito medo de ir à votação".
Brasileiros engajados no processo catalão também ampliaram a mobilização para que os imigrantes compareçam às urnas.
Contra o medo
É contra esse o medo citado por Kingolo que duas ativistas brasileiras ouvidas pela BBC Brasil explicam que trabalharam com mais intensidade nos dias prévios à votação.
A jornalista e pesquisadora de imigração brasileira Maria Badet Souza, de 33 anos, milita pela independência da Catalunha e é uma das integrantes nas redes sociais da plataforma "Brasileiros 9N" (a abreviatura de 9 de novembro), que esclarece sobre o processo participativo.
A página explica, por exemplo, que o governo da Catalunha se comprometeu a destruir o registro de votantes para garantir o anonimato dos participantes.
"Queremos que a comunidade brasileira também se envolva nesse processo, seja votando pelo 'sim' ou pelo 'não'", diz Badet.
Natural de Belo Horizonte, a jornalista e pesquisadora é filha e neta de catalães. "Meu avô lutou na guerra civil espanhola, foi perseguido e fugiu para o Brasil", afirma.
"Vesti a camisa da independência. Quero que minha filha cresça em um país livre, onde a avó e o bisavô não puderam viver", disse.Maria Dantas mora há 20 na Catalunha e será mesária em local de votação
A advogada Maria Dantas, 45 anos, de Aracaju, vive há 20 anos na Catalunha e é ativista ligada a entidades que defendem os direitos dos imigrantes e secretária da seção de imigração do partido independentista Esquerda Republicana da Catalunha (ERC).
Dantas será mesária em um dos locais de votação e também incentiva os brasileiros a participarem do processo.
Nesta última semana, ela tem participado de atividades de sensibilização em coletivos e associações de imigrantes em diversas cidades catalãs.
"No Brasil, as diferenças regionais não excluem a identidade nacional. Mas aqui na Catalunha eu vivo, na prática, o conceito de nação. A Espanha é um conjunto de nações que foram anexadas", compara.
'Perigo'
Juan Arza, diretor de comunicação da Sociedade Civil Catalã, plataforma que é contra a independência, avalia que é perigosa a decisão do governo catalão em dar seguimento à consulta.
"É a primeira vez que uma administração pública está desobedecendo a decisão do tribunal mais importante do Estado espanhol", disse.
Segundo ele, o governo catalão está "forçando" o governo espanhol a tomar uma difícil providência. "Uma opção é deixar que o processo continue, para evitar qualquer situação incontrolável nas ruas, permitindo que a lei não funcione. A outra é deter o processo, por exemplo, tirando as urnas dos pontos de votação", afirmou.
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Arza diz que é legítimo e aceitável que os independentistas façam um simulacro de votação como um ato de protesto ou de manifestação política.
"O problema é quando o governo oficialmente apoia essa votação, destinando recursos econômicos, materiais, humanos, logísticos e operativos para que isso aconteça."
Na opinião de Arza todos os catalães e os imigrantes que vivem na região têm muito a perder nesse processo.
Seu argumento é de que a propaganda dos partidos nacionalistas catalães apresenta a independência como um paraíso.
"Grande parte dos imigrantes e da população em geral está acreditando nisso, porque as pessoas estão sofrendo uma crise econômica. A independência é uma fuga, não uma solução", adverte.
A poucas horas da consulta, ainda há dúvidas sobre como ela será realizada. Até agora, a votação alternativa não foi oficialmente convocada por Artur Mas.
No entanto, o governo catalão reiterou que assume todas as responsabilidades e consequências do processo participativo e que a votação será executada por entidades civis catalãs e voluntários.
Os independentistas garantem que estão prontos para votar, e a campanha do "9N" se intensificou nesta última semana.